domingo, 20 de março de 2011

INDICAÇÃO

EXPOSIÇÃO

RELICÁRIO - Vik Muniz


Relicário, exposição de Vik Muniz em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, traz uma faceta pouco conhecida do artista que se tornou nos últimos tempos um verdadeiro ícone pop. O que vemos nessa mostra é um Vik Muniz escultor praticamente inédito, mesmo que o termo escultura não pareça definir muito bem a ampla gama de objetos criados por ele como numa espécie de desafio lúdico e irônico.


É como se cada uma das 30 obras exibidas fossem pequenos chistes, comentários ferinos ou anedóticos, emitidos com o intuito de provocar o espectador, fisgando-o por meio das mais diferentes artimanhas, que incluem, inexoravelmente, a sedução material, o choque semântico entre elementos muito distintos e a surpreendente maestria técnica que caracteriza a obra de Vik.


Muito já se falou sobre a utilização de referências típicas da arte pop pelo artista, que também já dialogou com outras grandes escolas da história da arte, como o impressionismo e o minimalismo. Nas obras reunidas em Relicário, no entanto, há um evidente flerte com procedimentos típicos do surrealismo e dadaísmo. O contraste entre elementos, o deslocamento de significados e a utilização do texto (o título) como elemento constitutivo da obra estão presentes em vários trabalhos, como em O Batismo do Monstro, uma delicadíssima e romântica camisola com metros de comprimento cuidadosamente dobrados sobre si e seis mangas em vez de duas.


A ironia descompromissada que marca trabalhos como a caixa de papelão à prova de balas, o sarcófago da múmia na forma de um gigantesco tupperware ou História da Iconografia Acidental – imagens de torradas que reproduzem a fisionomia de ícones como Che Guevara e Jesus Cristo – cede lugar em alguns momentos a comentários mais ácidos sobre a sociedade de consumo – tema caro ao artista e que está retratado no documentário Lixo Extraordinário, que foi indicado para o Oscar da categoria deste ano. A instalação feita com restos de bonecas descartadas, desmembradas e inseridas num grande armário de laboratório é de uma morbidez incômoda e mais crítica do que a média dos trabalhos reunidos na mostra.


Esse trabalho, no qual há ecos evidentes dos objetos construídos por Farnese de Andrade com restos de bonecas, traz à baila uma certa identificação de Vik Muniz com os mistérios e enigmas da ciência. Como um cientista maluco ou um etnógrafo capeta, ele passeia por esse mundo das catalogações, registros e desejo de ordem para produzir obras de grande poder sedutor. Universos díspares como fragmentos de bonecas, o choque entre culturas primitivas e a cultura de massas ou o estudo das borboletas constituem sua matéria-prima. Em Entomologia Gráfica, por exemplo, ele cria um maravilhoso e diversificado painel com centenas de borboletas aprisionadas.


O olhar do observador, atraído pelas cores e formas dispostas ali, leva algum tempo para perceber que não são insetos de verdade, mas reproduções de um grande ilusionismo cenográfico. A mesma ironia desconcertante se dá na série Flora Industrialis, um dos raros trabalhos a lançar mão da fotografia, técnica por excelência do artista, para retratar um ampla gama de flores. São delicadas naturezas-mortas, literalmente, já que somos informados pela legenda (e em alguns casos isso fica um tanto explícito pela imagem, como no caso do girassol) que são flores artificiais.


Clown. A identidade de cientista não é a única adotada por Vik Muniz nessa exposição, que tem muito de autorretratística. Soma-se a esse papel, formando como que uma tríade de personas assumidas pelo artista em seu percurso criativo, as figuras do mágico e – sobretudo nesses comentários escultóricos – do palhaço. A imagem do clown é representada pelo crânio com o característico nariz de bolinha, que ocupa lugar de destaque em Relicário e que, curiosamente, já havia aberto a grande retrospectiva que o artista realizou no MAM de São Paulo em 2001.

 
Fotos:












"Nail Fetish Black" (madeira e pregos), 2010
                 






"Deflated Soccer Ball" (bronze pintado), 1989







“Dying Flower" (tecido e arame), 1998





 "The history of Accidental Iconography" (torrada), 2010







 "Museum" (vidro, água e bonecas), 2010.



Instituto Tomie Ohtake
Av. Faria Lima, 201, Pinheiros-SP. Tel.: 0/xx/11/2245-1900
De: 01/3 a 24/4 - Terça a domingo, das 11h às 20h

Fonte: O Estado de S. Paulo

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